|
||
Emanuele Cristina de Sousa-Silva1, Maria de Fátima-Mantovani2, Claudia Geovana da Silva-Pires3, Robson Giovani-Paes2, Luciana Puchalski-Kalinke2, Luciana de Alcantara-Nogueira2 1 Maternidade Escola Assis Chateaubriand. Brasil
|
||
https://doi.org/10.37551/S2254-28842024003
Como citar este artículo:
RESUMO Introdução: Pessoas com doença renal crônica podem ter redução da qualidade de vida associada aos custos do tratamento. Objetivo: Avaliar a qualidade de vida relacionada a saúde e a relação com a toxicidade financeira de pessoas com doença renal crônica em tratamento hemodialítico. Material e Método: Estudo observacional, descritivo e transversal realizado com 214 pessoas, cuja coleta de dados ocorreu de fevereiro a maio de 2022, em quatro clínicas especializadas em diálise na região sul do Brasil. Utilizou-se os questionários sociodemográfico e clínico, COmprehesive Score for Financial Toxicity e o Kidney Disease Quality Of Life–Short Form. Os dados das variáveis da caracterização sociodemográfica e clínica, foram analisados descritivamente com frequências absolutas e relativas; para os escores da toxicidade financeira e qualidade de vida relacionada à saúde foi usado a correlação de Pearson. Resultados: Quatro itens do questionário Kidney Disease Quality Of Life – Short Form tiveram média abaixo de 50, sendo consideradas com escore ruim de qualidade de vida, são eles: “Saúde geral” (10,75), “Limitações das funções físicas” (29,93), “Sobrecarga da doença renal” (37,76) e “Situação de trabalho” (39,49), e compostos físico (34,49) e mental (49,19). A relação da toxicidade financeira e a qualidade de vida relacionada à saúde, evidenciou que um pior escore de toxicidade financeira foi associado à maior número de dimensões prejudicadas. Houve correlação significativa entre a toxicidade financeira e a dimensão saúde mental e a efeitos da doença renal. Conclusão: Os participantes tiveram comprometimento da qualidade de vida relacionada à saúde, havendo correlação positiva com a toxicidade financeira. Palavras-chave: Qualidade de vida; insuficiência renal crônica; estresse financeiro. RESUMEN Calidad de vida y relación con la toxicidad financiera en el tratamiento en hemodiálisis Introdución: Las personas con enfermedad renal crónica pueden tener una calidad de vida reducida asociada a los costes del tratamiento. Objetivo: Evaluar la calidad de vida relacionada con la salud y la relación con la toxicidad financiera en personas con enfermedad renal crónica sometidas a tratamiento de hemodiálisis. Material y Método: Estudio observacional, descriptivo y transversal de 214 personas, con datos recogidos entre febrero y mayo de 2022 en cuatro clínicas especializadas en diálisis del sur de Brasil. Fueron utilizados los cuestionarios sociodemográfico y clínico, el COmprehesive Score for Financial Toxicity y el Kidney Disease Quality Of Life - Short Form. Los datos de las variables sociodemográficas y clínicas se analizaron descriptivamente con frecuencias absolutas y relativas; se utilizó la correlación de Pearson para las puntuaciones de toxicidad financiera y calidad de vida relacionada con la salud. Resultados: Cuatro ítems del cuestionario Kidney Disease Quality Of Life - Short Form obtuvieron una puntuación media inferior a 50, y se consideró que tenían una mala calidad de vida, a saber: “Salud general” (10,75), “Limitaciones de las funciones físicas” (29,93), “Carga de la enfermedad renal” (37,76) y “Situación laboral” (39,49), y compuestos: físico (34,49) y mental (49,19). La relación entre la toxicidad financiera y la calidad de vida relacionada con la salud mostró que una peor puntuación de toxicidad financiera se asociaba con un mayor número de dimensiones deterioradas. Existía una correlación significativa entre la toxicidad financiera y la dimensión de salud mental y los efectos de la enfermedad renal. Conclusión: La calidad de vida relacionada con la salud de los participantes se vio comprometida y hubo una correlación positiva con la toxicidad financiera. Keywords: calidad de vida; insuficiencia renal crónica; estrés financiero. ABSTRACT Quality of life and the relationship to financial toxicity in hemodialytic treatment Introduction: Individuals with chronic kidney disease may experience reduced quality of life associated with treatment costs. Objective: To evaluate health-related quality of life and its relationship with financial toxicity in individuals with chronic kidney disease undergoing hemodialysis treatment. Material and Methods: An observational, cross-sectional study involving 214 individuals was carried out, with data collected from February to May 2022 at four specialized dialysis clinics in the southern region of Brazil. Sociodemographic and clinical questionnaires, the Comprehensive Score for Financial Toxicity, and the Kidney Disease Quality of Life - Short Form were utilized. Descriptive analysis with absolute and relative frequencies was conducted for sociodemographic and clinical variables, and Pearson correlation was used for financial toxicity and health-related quality of life scores. Results: Four items of the Kidney Disease Quality of Life-Short Form questionnaire had an average score below 50, indicating poor quality of life: “General health” (10.75), “Limitations in physical functioning” (29.93), “Burden of kidney disease” (37.76), and “Work status” (39.49), with physical (34.49) and mental (49.19) composite scores. The relationship between financial toxicity and health-related quality of life revealed that a worse financial toxicity score was associated with a greater number of impaired dimensions. There was a significant correlation between financial toxicity, the mental health dimension, and the effects of kidney disease. Conclusion: Participants experienced compromised health-related quality of life, with a positive correlation with financial toxicity. Keywords: quality of life; chronic kidney disease; financial stress. INTRODUÇÃO A Qualidade de Vida Relacionada a Saúde (QVRS) reflete a repercussão da doença ou do seu tratamento nos sentimentos subjetivos dos pacientes sobre seu bem-estar físico, mental, espiritual, emocional, social e funcional. A avaliação da QVRS tem sido cada vez mais usada e vista como uma medida importante para pessoas em Tratamento Renal Substitutivo (TRS), pois o objetivo do tratamento, além da melhoria da sobrevivência, é a obtenção de melhor qualidade de vida1,2. Um estudo realizado na Índia3 com pessoas em tratamento hemodialítico, evidenciou que os participantes e seus cuidadores davam mais importância aos momentos de lazer, como a possibilidade de viajar e o período sem hemodiálise, demonstrando a relevância de ter boa qualidade de vida. O resultado do estudo em tela, exibe a importância de ter uma renda que possa proporcionar esses períodos, ao encontrar que, os participantes com baixa renda apresentaram piores escores na subescala de avaliação mental, carga e de efeitos da doença de qualidade de vida3. A baixa renda como fator prejudicial a QVRS foi identificada em um estudo brasileiro4, que avaliou a QVRS de pessoas com Doença Renal Crônica (DRC) em tratamento hemodialítico e obteve como resultado que a maioria dos participantes (2/3) possuía renda igual ou inferior a 1 (um) salário-mínimo, estando esse fator relacionado à piora da QVRS. Os resultados apontaram também, que um dos principais fatores que favorecem a redução da renda após o adoecimento, é a necessidade de afastamento das atividades remuneradas, imposto pela DRC e pelo tratamento hemodialítico. Um estudo realizado na Austrália5 que quantificou os impactos financeiros e as despesas de pacientes adultos rurais com DRC, observou que 78% das famílias participantes da pesquisa, enfrentaram dificuldades para custear o tratamento, sendo que 54% declararam catástrofe financeira, enfatizando que as finanças podem se configurar como uma preocupação adicional. Embora o paciente com DRC em tratamento de hemodiálise tenha atendimento especializado em serviços públicos e gratuitos no Brasil, ainda assim, podem existir custos para seu autocuidado, como a adoção de uma alimentação diferenciada e restrita e deslocamento para a unidade hospitalar em que faz acompanhamento. Essas despesas, ao serem associadas à possível perda de trabalho e diminuição da renda familiar, podem gerar condições que influenciam na QVRS6 e assim evidenciar um evento adverso de doenças onerosas, denominado Toxicidade Financeira. A toxicidade financeira é um impacto nocivo experimentado pelos pacientes que não têm condições financeiras de pagar pelo tratamento e arcar com as despesas extras inerentes à sua condição. A expressão, inclui o encargo dos custos com a saúde e questões não relacionadas ao tratamento, mas que podem influenciá-lo, financeiramente, tornando-se uma barreira aos cuidados médicos necessários7. A existência de estudos sobre a toxicidade financeira na DRC, ainda é incipiente. Vários estudos têm associado a toxicidade financeira à pior QVRS8-10 pois, na tentativa de economizar, os pacientes não aderem à prescrição médica, deixam de realizar procedimentos importantes e, com isso, podem ter seu quadro clinico alterado11,12. Destarte, o objetivo deste estudo é avaliar a qualidade e vida relacionada a saúde e a relação com a toxicidade financeira em pessoas com doença renal crônica em tratamento hemodialítico. MATERIAL E MÉTODO Estudo quantitativo, observacional, descritivo e transversal, extraído de dissertação de mestrado da Universidade Federal do Paraná, cuja coleta de dados ocorreu de fevereiro a maio de 2022, em quatro clínicas especializadas em diálise credenciada ao Sistema Único de Saúde (SUS) da cidade de Curitiba – PR e região metropolitana. As clínicas são referência em terapias renais substitutivas na região de Curitiba e atuam na prevenção e tratamento das doenças renais desde o início da década de 80. Desenvolvem atividades nas áreas de nefrologia, hemodiálise, diálise peritoneal, transplante renal, nutrição e hipertensão arterial. A amostra foi calculada com a ajuda de um profissional estatístico por meio do software Epi Info 7, a partir do número de pacientes atendidos nas unidades (Instituto do Rim do Paraná= 156; Clínica de Doenças Renais São José dos Pinhais= 173; Unidade Renal do Portão= 151, Clínica de Doenças Renais Colombo= 117, totalizando 597 indivíduos) e considerando uma frequência esperada do evento de interesse de 50%, (que é o pior cenário considerado para amostragem) margem de erro de 5% e um nível de confiança de 95%. O processo de amostragem foi estratificado com participação voluntária. O recrutamento foi realizado por conveniência, sendo convidados todos os elegíveis que estivessem no local no momento da coleta de dados. Os critérios de inclusão foram: diagnostico de DRC e estar em tratamento hemodialítico; ter idade igual ou superior a 18 anos. Foram excluídos os pacientes com DRC em hemodiálise com registro no prontuário de distúrbios na comunicação e/ ou algum problema mental. Para realização do estudo, foram utilizados um formulário sociodemográfico e clínico e os questionários COmprehesive Score for Financial Toxicity (COST) e o Kidney Disease Quality Of Life – Short Form (KDQOL-SFTM 1.6). O COST é um questionário elaborado pelo grupo norte americano Functional Assessment of Chronic Illness Therapy (FACIT) que mensura a toxicidade financeira por meio de 12 questões. As respostas são em escala de likert de 5 pontos, sendo 0 - nenhum pouco e 4 – muitíssimo e a pontuação pode variar de 0-44 sendo que quanto maior, melhor o bem-estar financeiro e menor a toxicidade financeira. O KDQOL-SFTM 1.6 é um questionário que tem por objetivo avaliar a QVRS na DRC em pessoas que realizam algum programa dialítico. Possui oito dimensões, sendo: funcionamento físico (10 itens), limitações causadas por problemas da saúde física (quatro itens), limitações causadas por problemas da saúde emocional (três itens), funcionamento social (dois itens), saúde mental (cinco itens), dor (dois itens), vitalidade (energia/fadiga); (quatro itens), percepções da saúde geral (cinco itens) e estado de saúde atual comparado com o ano anterior (um item). Estes itens do SF-36 podem ser resumidos em SF-12 composto físico e composto mental13, 14. Além do SF-36, o KDQOL-SFTM 1.6 possui itens específicos da doença renal com 11 dimensões - sintomas/problemas (12 itens), efeitos da doença renal sobre a vida diária (oito itens), sobrecarga imposta pela doença renal (quatro itens), condição de trabalho (dois itens), função cognitiva (três itens), qualidade das interações sociais (três itens), função sexual (dois itens) e sono (quatro itens); inclui também três escalas adicionais: suporte social (dois itens), estímulo da equipe da diálise (dois itens) e satisfação do paciente (um item)13,14. O KDQOL-SFTM 1.6 apresenta escore final variando de 0 a 100, no qual zero corresponde a pior QVRS. As dimensões podem ser avaliadas separadamente, não existindo um valor único resultante da avaliação global da QVRS, mas sim médias de valores para as dimensões, o que pode identificar os verdadeiros problemas relacionados à saúde dos participantes13,14. Foi considerado neste estudo uma QVRS ruim quando apresentado escores abaixo de 5015. A análise dos dados clínicos ocorreu por técnicas de estatística descritiva, tendo sido contabilizado o número de indivíduos por característica, bem como a suas respectivas proporções. Para o cálculo das pontuações do instrumento KDQOL-SFTM 1.3, foi utilizado a planilha com programa de análise disponibilizada pelo KDQOL-SF Working Group no site da organização de pesquisa RAND Corporation. Para a correlação entre os escores da toxicidade financeira do instrumento COST e os escores da QVRS do instrumento KDQOL-SFTM 1.3, foi realizado a correlação de Pearson com correlação estatisticamente significativa positiva aqueles com valor de p<0,0001. Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, sob parecer nº 5.210.448. | ||
RESULTADOS A amostra foi constituída por 214 pessoas com DRC em tratamento hemodialítico. Com relação aos dados sociodemográficos e clínicos, 117 pessoas são do sexo masculino, com tempo de escolaridade inferior a nove anos e 122 eram aposentados e /ou pensionistas, 12 e 128 declararam realizar hemodiálise há 1-5 anos, e 203 faziam hemodiálise três vezes na semana. Em relação a educação formal 166 tem menos de 12 anos de escolaridade. Quanto aos aspectos relativos a hábitos de vida somente 9 consomem cigarros, 58 são ex-tabagistas e 127 não fumam, em relação ao consumo de álcool somente nove mantem o hábito de maneira moderada e mais que moderada. Com relação à QVRS dos participantes, de acordo com os resultados apresentados na tabela 2, ao avaliar a média das dimensões do questionário KDQOL-SFTM 1.3-SFTM verificou-se que as dimensões que obtiveram as menores médias, em ordem crescente, foram: “Saúde geral” (10,75), “Limitações das funções físicas” (29,93), “Sobrecarga da doença renal” (37,76) e “Situação de trabalho” (39,49). | ||
| ||
Em contrapartida, obtiveram as maiores pontuações as dimensões: “Função Cognitiva” (87,89), “Função sexual” (87,14), “Suporte Social” (84,19) e “Estímulo por parte da equipe de diálise’’ (83,35). Ressalta-se que a dimensão “Função sexual” foi respondida por apenas 35 pessoas. Foi possível observar que, do total de dimensões do questionário, seis tiveram média abaixo de 50, podendo ser consideradas com escore ruim de QVRS. Além disso, foi verificado que o composto físico (34,49) e mental (49,19), também, apresentaram média de escore ruim. Na matriz de correlação, o composto de saúde mental demonstrou ser fortemente correlacionado com bem-estar emocional (R=0,82, valor-p<0,0001) e limitações da função emocional (R=0,83, valor-p<0,0001). Do mesmo modo, o composto de saúde física apresentou forte correlação com o bem-estar físico (R=0,78, valor-p<0,0001) e limitações da função física (R=0,74, valor-p<0,0001) (figura 1). | ||
| ||
Foi observado correlação com a condição de trabalho e índice de satisfação com relação positiva e fortemente correlacionadas (R=0,82, valor-p<0,0001); suporte social e função sexual apresentaram uma correlação moderada e positiva (R=0,62, valor-p<0,0001), função sexual está positivamente correlacionada com o sono (R=0,79, valor-p<0,0001) e com sintomas/problemas (R=0,79, valor-p<0,0001). DISCUSSÃO Este estudo avaliou a QVRS e a relação com a toxicidade financeira de pessoas com doença renal crônica em tratamento hemodialítico em quatro unidades de atendimento ao paciente renal no município de Curitiba e região metropolitana. Em se tratando dos dados sociodemográficos, foi possível observar semelhança entre os resultados encontrados e outro estudo brasileiro16, realizado em Santa Catarina com pessoas em hemodiálise, no qual foi encontrado predomínio do sexo masculino 52,8%, idade variando de 20 a 86 anos, sendo que 41,42% dos indivíduos tinham entre 40 e 59 anos e 39,99% com mais de 60 anos, 52,85% casados, grande parte eram de baixa escolaridade e aposentados. Perfil similar também foi encontrado no estudo realizado no interior do Paraná, em que a maior parte (54,87%) dos indivíduos analisados eram do sexo masculino, 26,15% apresentaram faixa etária entre 61 a 70 anos, 63,10% se declararam casados, 63,58% possuem grau de escolaridade 1º grau incompleto17. Os últimos censos realizados nos centros de tratamento dialítico brasileiros, descrevem uma prevalência masculina entre os pacientes, o que pode sugerir hábitos inadequados de vida, uma menor aderência aos cuidados preventivos de saúde, menor busca por serviços de saúde, ocorrendo na maioria das vezes quando as morbidades já estão em níveis avançados18, 19. Ao avaliar a QVRS dos participantes deste estudo, foi possível observar um número expressivo de média das dimensões abaixo de 50, ou seja, classificadas como QVRS ruim de acordo com o escore de cada dimensão, sendo as mais afetadas a Saúde Geral e as Limitações da Função Física. Um estudo20 realizado no estado do Mato Grosso–Brasil, com pessoas acima de 18 anos de idade com DRC em hemodiálise, ao avaliar a QVRS por meio do instrumento KDQOL-SFTM 1.3, obteve dado similar, pois a média mais baixa foi, da mesma forma, nos aspectos físicos, sendo esses um dos mais afetados (44,16), assim também, como no estudo conduzido em Ponta Grossa- PR21, entre as dimensões com menor escore, foram o “Função cognitiva” (6,2) e “Limitações por aspectos físicos” (49,5). Em outro estudo realizado na região noroeste do Paraná22 com pessoas com DRC e idade acima de 18 anos, igualmente, obteve-se uma menor pontuação média na dimensão “Desempenho físico” (33,67 pontos), sendo essa pontuação a única com mediana de zero. De acordo com esses estudos que avaliaram a QVRS da população com DRC em hemodiálise, torna-se possível evidenciar que o aspecto físico tem sido uma das dimensões mais afetadas nessa população. Essa baixa pontuação no desempenho físico indica existência de limitações físicas, tal como existência de danos que prejudicam o desenvolvimento de atividades diárias, que pode influenciar na capacidade de execução de atividades que fazia antes e na permanência ativa no trabalho22. Reiterando essa questão, o estudo Indiano3 que investigou a correlação entre a qualidade de vida relacionada à saúde com as variáveis socioeconômicas e clínicas de pessoas com DRC, encontrou que as medidas de qualidade de vida foram associadas a resultados adversos, como maior risco de eventos cardiovasculares e morte. O estudo ainda reiterou a necessidade de uma abordagem mais inclusiva no manejo da DRC com atenção às questões sociais que são determinantes para a incorporação e fortalecimento do cuidado ao doente renal crônico. A dimensão “Situação de trabalho”, neste estudo, também, apresentou escore ruim. Ter a dimensão “Situação de trabalho” afetada pode estar relacionada à dificuldade em manter seu vínculo empregatício, após diagnóstico da DRC e início do tratamento, devido ao tempo necessário para realização da hemodiálise e implicações nas suas atividades do trabalho. Esse mesmo resultado foi encontrado no estudo realizado, em Uberaba-MG, com adultos com DRC em tratamento hemodialítico, que evidenciou como dimensão mais afetada, entre os participantes, a “Situação de trabalho” (8,82%), como também, a dimensão “limitação física” (26,47%)23. Quando avaliado a relação entre as medidas COST e QVRS, foi observado neste estudo que um maior grau de toxicidade financeira foi associado a uma pior QVRS. Dado semelhante foi encontrado no estudo realizado em pessoas com câncer nos EUA24, em que um menor impacto da toxicidade financeira foi associado a melhor QVRS. Neste estudo identificou-se correlação significativa entre a toxicidade financeira e a saúde mental, indicando que quando aumenta o escore de toxicidade financeira, aumenta o escore do composto de saúde mental. Dado similar foi encontrado, o estudo norte americano24 em que o coeficiente de correlação de Pearson entre COST e o bem-estar mental, também, foi significativo (r =0,45; P<0,0001). Esse resultado direciona para um aspecto do cuidado de enfermagem para além das questões físicas. De acordo com esses dados, pode-se observar que a toxicidade financeira pode estar correlacionada à piora da saúde mental, como evidenciado no estudo25 que demonstrou que o fato de apresentar algum grau de toxicidade financeira, foi associado a piores resultados nas dimensões mental e físico. Além disso, em comparação com pessoas sem toxicidade financeira, aqueles com algum nível de toxicidade tiveram piores pontuações nos componentes físico e mental. Observou-se, neste estudo, associação entre a toxicidade financeira e os impactos da doença renal. Dados da relação entre a toxicidade financeira e efeitos relacionados à doença foi verificado por meio da força das associações entre toxicidade financeira e interferência da dor (r= -27), toxicidade financeira e funcionamento físico (r= -32), e toxicidade financeira e funcionamento social (r = -0,31) considerados moderadamente fortes e com significância estatística. Portanto, enfatiza-se que embora a toxicidade financeira seja um conceito recente, os estudos já apontam para a importância da atenção do enfermeiro para essa mensuração devido ao impacto que ela traz para a QVRS. Além de despertar para importância do impacto gerado pela DRC e hemodiálise na QVRS da população, torna-se relevante atentar para a existência da toxicidade financeira que, somado com a doença e seu tratamento, pode piorar a QVRS. Portanto, os resultados deste estudo apontam para a necessidade de atuação dos profissionais da saúde no conhecimento do impacto da toxicidade financeira tanto na QVRS, quanto no bem-estar financeiro das pessoas com DRC, com intuito de propiciar e incentivar ações relacionadas à busca de intervenções para minimizar esse efeito, com isso, melhorar a QVRS. As limitações encontradas neste estudo foram relacionadas a escassez de estudos publicados com a utilização do COST e de instrumentos de QVRS na doença renal. Outra limitação foi o constrangimento dos participantes em responder à pergunta sobre sexualidade e a utilização do Coeficiente de Correlação de Pearson com a pressuposição de normalidade dos dados. A partir dos resultados encontrados pode-se afirmar que os participantes tiveram comprometimento da QVRS, havendo correlação positiva com a toxicidade financeira, ou seja, evidenciou-se que um pior escore COST foi associado a um número maior de dimensões prejudicadas da QVRS. Houve correlação significativa entre a toxicidade financeira e a dimensão saúde mental e a dimensão efeitos da doença renal. Este é um dos primeiros estudos, que se tem conhecimento, aplicando o instrumento COST recém traduzido para o português do Brasil, na população com DRC em tratamento hemodialítico, e os resultados sugerem que essa população apresenta níveis de toxicidade financeira que se relacionam negativamente com a QVRS, necessitando ser mais explorado em pesquisas que comparem o impacto da DRC em diferentes serviços e grupos populacionais. As contribuições para a prática de enfermagem referem-se a necessidade de incentivar os profissionais a mensurar a qualidade de vida e aspectos ligados a toxicidade financeira, inserir o conteúdo na formação do enfermeiro fornecendo subsídios capazes de propiciar ações para minimizar os danos causados por estas variáveis nos doentes renais crônicos e com outras doenças crônicas, além de promover redes de apoio a esses pacientes a partir da identificação do diagnóstico. Agradecimentos Agradecemos às clínicas de saúde pelo acesso para realização deste estudo, a toda equipe de enfermagem pelo acolhimento e auxílio durante a coleta de dados e em especial a todas as pessoas que aceitaram participar deste estudo e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) pela bolsa produtividade de duas autoras. Conflitos de Interesse Não há conflitos de interesse. Financiamento Não houve financiamento no desenvolvimento do estudo, porém duas autoras são bolsistas produtividade em pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). BIBLIOGRAFÍA 1. Brasil. Ministério da Saúde. Biblioteca Virtual em Saúde. Dia mundial do Rim [Internet]. 2020 [citado 20 Fev 2024]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/ultimas-noticias/3138-12-3-dia-mundial-do-rim 2. Tannor EK, Archeret E, Kapembwa K, Schalkwyk SCV, Davids R. Quality of life in patients on chronic dialysis in South Africa: a comparative mixed methods study. BMC nephrology [Internet]. 2017 [citado 20 Fev 2024];18(4). Disponível em: https://dx.doi.org/10.1186/s12882-016-0425-1 3. Modi GK, Yadav AK, Ghosh A, et al. Nonmedical Factors and Health-Related Quality of Life in CKD in India. Clin J Am Soc Nephrol [Internet]. 2020 [citado 20 Fev 2024];15(2):191-9. Disponível em: https://doi.org/10.2215/CJN.06510619. 4. Lima JPS, Lima LSA, Silva DCB, Ramalho ACA, Santos JCF, Silva DAV. Quality of life of people with chronic kidney disease in a Brazilian capital. Res Soc Dev [Internet]. 2021 [citado 12 Jan 2024];10(7) e9210716406. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/16406 5. Scholes-Robertson N, Blazek K, Tong A, Gutman T, Craig JC, Essue BM, Howard K, Wong G, Howell M. Financial toxicity experienced by rural Australian families with chronic kidney disease. Nephrology (Carlton). 2023;28(8):456-66. 6. Menon, ACNC. Análise de qualidade de vida de pacientes com insuficiência renal crônica em tratamento hemodialítico no sistema único de saúde na região de saúde de Dourados – MS [dissertação na internet]. Dourados (MS): Universidade Federal da Grande Dourados; 2016 [citado 12 Jan 2024]. [aprox. 1 p.]. Disponível em: https://files.ufgd.edu.br/arquivos/arquivos/78/MESTRADO-DOUTORADO-CIENCIAS-SAUDE/Disserta%C3%A7%C3%A3o(1).pdf 7. Khera R, Valero-Elizondo J, Nasir K. Financial Toxicity in Atherosclerotic Cardiovascular Disease in the United States: Current State and Future Directions. Disponível em: https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/JAHA.120.017793 8. Zafar SY. Financial toxicity of cancer care: It’s time to intervene. J Natl Cancer Inst [Internet] 2016 [citado 20 Fev 2024];108(5). Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26657334/. 9. Lathan CS, Cronin A, Tucker-Seeley R, Zafar SY, Ayanian JZ, Schrag D. Association of financial strain with symptom burden and quality of life for patients with lung or colorectal cancer. J Clin Oncol [Internet] 2016 [citado 20 Fev 2024];34(15). Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26926678/. 10. Smith GL, Lopez-Olivo MA, Advani PG, Ning MS, Geng Y, Giordano SH et al. Financial Burdens of Cancer Treatment: A Systematic Review of Risk Factors and Outcomes. J Natl Compr Canc Netw [Internet]. 2019 [citado 20 Fev 2024];17(10). Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7370695/. 11. Chan RJ, Gordon L, Zafar SY, Miaskowski C. Financial toxicity and symptom burden: what is the big deal?. Support Care Cancer [Internet]. 2018 [citado 20 Fev 2024];26. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00520-018-4092-6 12. Casilla-Lennon MM, Choi SK, Deal AM, Bensen JT, Narang G, Filippou P et al. Financial Toxicity among Patients with Bladder Cancer: Reasons for Delay in Care and Effect on Quality of Life. J. Urol [Internet]. 2018 [citado 20 Fev 2024];199(5). Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.juro.2017.10.049 13. Hays R, Kallich J, Mapes D, Coons S, Amin A, Carter WB et al. Kidney disease quality of life short form (KDQOL-SFTM), version 1.3. manual for use and scoring. Santa Monica [Internet]. 1997 [citado 20 Fev 2024]; Disponível em: https://www.rand.org/pubs/papers/P7994.html 14. Duarte OS, Miyazaki MCOS, Ciconelli RM, Sesso R. Tradução e adaptação cultural do instrumento de avaliação de qualidade de vida para pacientes renais crônicos (KDQOL-SF TM). Rev. Assoc. Med. Bras [Internet] 2003 [citado 20 Fev 2024]; 49(4); Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302003000400027&lng=en&nrm=iso 15. Vinhal LB, Lopes LG, Morais ER. Avaliação da qualidade de vida em doentes renais crônicos hospitalizados. Visão Acadêmica [Internet]. 2022 [citado 20 Fev 2024];23(3). Disponível em: https://revistas.ufpr.br/academica/article/view/86806 16. Silva OM da, Kuns C M, Bissoloti A, Ascari RA. Perfil clínico e sociodemográfico dos pacientes em tratamento de hemodiálise no oeste catarinense. Saúde (Santa Maria) [Internet]. 2018 [citado 20 Fev 2024];44(1); Disponível em: https://doi.org/10.5902/2236583416918 17. Silva MC, Oliva EFS, Rickli C, Braga LS. Characterization of the epidemiological profile of patients with chronic kidney disease, served in a dialytic treatment unit in Campo Mourão-PR. Res., Soc. Dev. [Internet]. 2022 [citado 12 Jan 2024];11(4). Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v11i4.27966 18. Neves PDM de M, Sesso de CC, Thomé FS, Lugon JR, Nascimento MM. Braz J Nephrol [Internet]. 2021 [citado 20 Fev 2024];43(2);217–27. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2020-0 19. Nerbass FB, Lima HN, Thomé, FS, Neto OMV, Lugon JR, Sesso R. Censo Brasileiro de Diálise 2020. Braz. J. Nephrol. [Internet]. 2022 [citado 20 Fev 2024];44(3); Disponível em: https://www.scielo.br/j/jbn/a/3Jts9Jdpcy5vc5MFjdMwV3g/?format=pdf&lang=pt 20. García PRS, Souza EF de, Oliveira PJM. de. Avaliação da Qualidade de Vida de Pacientes com Doença Renal Crônica em Hemodiálise no Norte de Mato Grosso. Scientific Electronic Archives [Internet]. 2022 [citado 20 Fev 2024]; 15(8). Disponível em: https://sea.ufr.edu.br/SEA/article/view/1567 21. Butyn G, de Carvalho GM, de Castro CJS, da Silva GR, Arcaro G, Martins CM, Mikowski JRD. Avaliação da qualidade de vida do paciente com doença renal crônica em terapia renal substitutiva. Braz. J. Hea. Rev [Internet]. 2021 [citado 20 Fev 2024];4(1):2785-98. Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BJHR/article/view/24556 22. Farias MPO, Souza MA de. Qualidade de vida em pacientes dialíticos. Res Soc Dev [Internet]. 2022 [citado 20 Fev 2024];11(13). Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/35929 23. Baldin J, Souza AA, Simões M, Walsh IAP, Accioly, MF. Qualidade de vida, aspectos clínicos e sociodemográficos de indivíduos com doença renal crônica em hemodiálise. REFACS [Internet]. 2021 [citado 20 Fev 2024];9(2); Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=497969633009 24. Ver Hoeve ES, Ali-Akbarian L, Preço SN, Lothfi NM, Hamann HÁ. A.Patient-reported financial toxicity, quality of life, and health behaviors in insured US cancer survivors. Support Care Cancer [Internet]. 2021 [citado 20 Fev 2024]; 29(1). Disponível em: https://dx.doi.org/10.1007/s00520-020-05468-z 25. Murphy PB, Severance S, Savage S, Obeng-Gyasi S, Timsina LR, Zarzaur BL. Financial toxicity is associated with worse physical and emotional long-term outcomes after traumatic injury. J Trauma Acute Care Surg [Internet]. 2019 [citado 20 Fev 2024];87(5). Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31233442/. Este artículo se distribuye bajo una Licencia Creative Commons Atribución–NoComercial 4.0 Internacional.
| ||
|